segunda-feira, 21 de novembro de 2011

MARCEL DUCHAMP


  Considerado um dos precursores da arte conceptual, Marcel Duchamp introduziu a ideia de ready made como objeto de arte.
Marcel Duchamp jogando xadrês
 Marcel Duchamp nasceu em 1887 em Blainville na Seine –Maritime. Em 1902, começa a pintar paisagens de Blainville. As suas primeiras obras mais importantes mostram influência de Cézanne e dos pintores fauvistes. Também foi influenciado pelo simbolismo e futurismo. É influenciado pela cronofotografia – técnica de fotografia aplicada a assuntos em movimento e que consiste na obtenção de imagens a intervalos regulares. Faz quadros de jogadores de xadrez . Em 1911 faz “Homem triste...” e o esboço a óleo para “Nu descendo uma escada”. A primeira pintura de uma máquina é o “Moinho de Café”.
   Em 1912 pinta o “Nu descendo uma escada”, que é recusado no Salão dos Independentes. Os quadros sobre xadrez evoluem para o “Rei e a Rainha Rodeados por Nus Rápidos”.  Começa a fazer anotações e a guardá-las. Em 1913 começa a fazer desenhos mecânicos, estudos a óleo e anotações que irão resultar na “Noiva...”. Monta uma roda de bicicleta sobre um banco de cozinha . Faz “3 Paragens padrão”. Em Nova Yorque o “Nu  ...” faz escândalo e torna-o célebre. Em 1916 inventa o termo “readymade”. Em 1917 “A Fonte” é recusada no Salão dos Independentes. Com outros publica a revista de inspiração Dada “The Blind Man”. Em 1920, em N.Y., trabalha com Man Ray em experiências cinematográficas e nos seus objetos de ótica de precisão, como por ex. a “Placa de vidro rotativa”, que é um dispositivo com motor para fazer experiências de efeitos óticos. Surge “RroseSelavy”, duplo feminino de M.D., fotografado por Man Ray. Em 1934 publica a “Caixa Verde” com réplicas das anotações e de esboços. Em 1941 publica “Caixa numa Mala”, uma seleção representativa da sua obra através de reproduções em miniatura, contidas numa caixa desdobrável. Em 1945 o Museu de Arte Moderna de N.Y. compra “A passagem da Virgem à Noiva” – É a primeira vez que um museu adquire uma obra sua. Em 1946 começa a trabalhar nos “Dados “ que leva 20 anos a fazer. Em 1959 organiza com Breton a exposição Internacional do Surrealismo em Paris. Morre em 1968 e pede para porem na sepultura “Aliás são sempre os outros que morrem”. Com a Revolução Modernista nas primeiras décadas do séc.XX, há a suspensão dos valores clássicos, as pessoas no início do séc. assistem a uma mudança rápida do mundo que as rodeia – a industrialização enche o mundo de formas novas, produtos novos, e altera a paisagem. Há as descobertas das ciências micros. O real deixa de ser fixo, existindo uma outra dimensão que não nos é dada ao olhar – dimensão microscópica da realidade. Há esgotamento do realismo ótico.
Surgem as primeiras imagens mecânicas – a fotografia, o cinema, que permitiam reproduzir a realidade. Assim, o primeiro modernismo vai rejeitar a sujeição a qualquer norma representativa, a qualquer padrão clássico e temas, sendo formado por artistas chamados de vanguarda. Estes criam uma arte experimental e socorrem-se de tudo.
   O Corpo artístico cada vez é mais desordenado e cada vez é maior o, esforço para organizá-lo. A primeira dificuldade em analisar a arte tem a ver com o facto de a arte ser formada por objetos que pertencem a universos diferentes . O objeto artístico serve diversas finalidades e os materiais podem ser muito diversos.
   Com Francis Picabia foi um precursor importante do dadaísmo. Este nasceu em parte do desencantamento que a guerra provocou, e de uma negação dos valores aceites da arte e da literatura, que os dadaístas consideravam os produtos duma civilização decadente.
   Havia espírito de protesto, de provocação. Muitos manifestos “dada” proclamavam a espontaneidade, a liberdade e a anarquia. Este movimento agitou pelo absurdo, pela ironia, pelo sarcasmo, um certo número de hábitos e de ideias preconcebidas, e suscitou algumas modificações radicais na arte e na estética.
   A obra de M.D. compreende três dimensões: produção de sentidos, material do quotidiano, relação com o observador. Isola os objetos do seu contexto familiar, da sua função originária e recontextualiza-os, transformando-os noutra coisa . É sempre possível fazer uma nova interpretação das suas obras. Ele utiliza o título que joga com o próprio objeto – o urinol passou a ser chamado “ A fonte ” e tem a particularidade de ser um objeto que enquanto fonte, o seu jato de água tem o trajeto de dentro para fora e como urinol recebe o líquido num trajeto oposto. Na revista “The Blind Man” de 1917, M.D. escrevia que Mutt (assinatura da fonte) escolhera  a  “fonte” , tendo desaparecido o seu sentido utilitário, e que havia criado um pensamento novo para este objeto . Que Mutt tenha feito com as suas mãos o objeto, não tem importância. A obra só se completa com o espectador, realiza-se através da relação deste com o objeto. O espectador participa da obra e cria sentidos.
   M.D. reunia os objetos que considerava significativos. Descontextualizando os objetos e assim fazendo criar neles novos sentidos, produz-se um efeito de instabilidade semântica, fazendo com que o objeto seja e ao mesmo tempo não seja o que parece ser, e há produção de uma série de processos mentais de memória e esquecimento. Os elementos da realidade física são apropriados e usados como material para a arte. São usados materiais provenientes de fora dos materiais tradicionais artísticos e são usados como um dos elementos do conteúdo; são manipulados como se fossem significados. Há procedimentos de construção que não cabem no princípio de organização tradicional, ou seja, na “Gestalt”. Há abandono do princípio da composição. O princípio organizativo dos elementos é a materialização de uma ideia. O sentido destas obras não está localizado no objeto para ser descoberto pelo espectador, é produzido no encontro entre este e a obra. Não têm sentido fixo, têm instabilidade de evocações que são produzidas quando são observadas; são obras “abertas”. Abalam qualquer princípio de identidade, podem ser uma coisa e outra coisa ao mesmo tempo – “são máquinas celibatárias que pedem alguém que as complete”, como diz Gilles Deleuze. Estes objetos desafiam, inquietam, e estão de acordo com Fernando Pessoa quando diz que o espectador é tão autor da obra como o próprio autor.
   M. Duchamp não pretendia impor uma nova linguagem revolucionária, mas propor uma atitude de espírito.
M. Duchamp. : “não acredito na função criativa do artista. Este é um homem como qualquer outro, a sua ocupação é fazer certas coisas. A palavra “arte” vem do sânscrito, significa “fazer”. Toda a gente faz alguma coisa e aqueles que fazem coisas sobre uma tela com uma moldura são chamados artistas. Antigamente eram nomeados por uma palavra que eu prefiro: artesãos. Somos todos artesãos ”.
   Não se reproduz o real, é um trabalho com fragmentos da realidade, toma uma posição na própria construção da realidade. Não são janelas sobre o mundo, ou espelhos do mundo , são partes do mundo, acrescentam ao mundo. Na relação do espectador com a obra, o recetor participa na criação da obra. A arte é uma coisa que acontece entre espectador participante e um conjunto de estímulos que age sobre ele.
   Foi cartoonista e vendeu desenhos humorísticos , na maior parte dos casos provocadores e baseando-se muitas vezes em trocadilhos verbais e visuais. No início dos anos 60 tornou-se uma personalidade influente no mundo da arte. Alguns artistas recusavam-se a aceitar a sua obra incondicionalmente, como foi o caso de Joseph Beuys que afirmou que o silêncio de  Duchamp era sobrestimado. Duchamp manteve durante toda a vida a atitude de não comentar as interpretações dadas à sua arte.
    Duchamp pode considerar-se como tendo provocado a rotura modernista no início do séc. Ele desmaterializa a obra, todo o universo que a envolve. Faz centrar a discussão sobre o processo e não sobre o resultado da obra. Entre 1914/16, há quatro operações de alteração no seu trabalho: mudar o objeto fazia mudar o estatuto do objeto e a sua perceção (colocá-lo num museu; torná-lo peça de museu) .
   Rotação espacial do objeto (urinol invertido).
   Alterações do sentido (o nome do objeto remete para outra significação do objeto). Mecanismo emissor ( em vez de recetor, passou a ser emissor do sentido).
   O modo como a peça surge é definidor do sentido da peça.
   A partir de 1918 preocupa-se com o movimento ligado à ocupação espacial. A vulgaridade do objeto é importante no processo.
 Duchamp substitui a questão do belo pela questão de ser ou não ser arte, colocada pela primeira vez no “Escorredor de Garrafas” . Duchamp retira ao objeto a funcionalidade, a manufatura e a categoria de “belo”. Levanta a questão da permissividade – qualquer um “eventualmente” pode ser artista. M.D. nunca teve um trabalho sistemático, quis romper com a sistematização. O seu trabalho está todo interligado como uma teia. Há remissões e ligações de peça para peça . Duchamp nunca passou para o estatuto do ato criativo, apenas se importou com o estatuto do objeto.
   Na “Crítica da Faculdade de julgar”, Kant dizia que um juízo de gosto pode ser discutido porque existe em nós uma espécie de apetência para o “bom senso”. O sentido comum a que chegamos é o cimento da sociedade, isto é que liga as comunidades humanas. Esta interpretação de Kant permitiu a Shiller escrever as “Cartas para a educação da humanidade” e dizer que nós precisamos de uma sociedade que seja muito mais sedimentada numa educação estética, porque na educação estética existe uma espécie de tensão com tendência para o diálogo e também para o sentido comum para determinar a sua atividade. O problema posto com Duchamp, é que este divorcia a prática artística desta tentativa de encontro de um sentido comum, que era um dos fundamentos da estética da modernidade.
    A aquisição da modernidade é posta pelo problema da transformação do representativo da obra, num problema referencial. As obras já não representam, mas presentificam. Presentificando têm universos de referência.
   A “fonte” foi proposto como objeto artístico mas ao mesmo tempo era um objeto encontrado e transformado pela posição em que era apresentado e assinado como R. Mutt, havendo a hipótese de este ser o nome da firma que tinha fabricado a peça . O trabalho foi recusado e ficou levantada a questão da fronteira entre aquilo que é arte e o que não o é . O problema que Duchamp levantou foi o do estatuto negocial da arte; a arte não é algo colado aos objetos, não é uma essência interna dos objetos, mas é um estatuto negocial que determinado tipo de objetos tem em determinadas circunstâncias. Esse estatuto negocial que ele desnudou apresentando o urinol, de algum modo inicia um processo de separação, por um lado do universo da estética e por outro lado do universo da arte. Em relação a este objeto a única pergunta que não era admissível era sobre o juízo de gosto. Era uma pergunta sem sentido  porque ele estava a cumprir num determinado momento um determinado papel na própria negociação do estatuto daquele objeto . Há pela primeira vez um divórcio entre o universo da estética e o universo da arte.
   “Desde que os generais já não morrem a cavalo, os pintores já não são obrigados a morrer nos seus cavaletes” . 
"Jovem triste num combóio" - 1911
Jovem Triste num Combóio” – 1911, autorretrato, a silhueta é uma espécie de decomposição formal, um corte com lamelas que se sucedem paralelamente e que deformam o objeto. Há a ideia de movimento do combóio e do homem que está num corredor e que se desloca; a deformação é por Duchamp chamada de paralelismo elementar. Esta obra mostra já a intenção de introduzir os jogos de palavras : triste, train. O espaço resulta da interseção dos movimentos do combóio e da figura.
"Nu descendo as escadas" - 1912
Nu descendo as Escadas”—1912 Nesta obra queria criar uma imagem estática de movimento . É uma abstração , uma dedução articulada no interior da pintura, sem que se saiba se uma personagem real desce ou não uma escada igualmente real. No fundo, o movimento é o olho do espectador que o incorpora ao quadro. A pintura tem a influência da cronofotografia ; os diferentes movimentos são indicados com um sistema de pontilhados. O “Nu ... “ foi recusado no Salão dos Independentes de 1912 . Impuseram-lhe a mudança de título como condição para a admissão da pintura.
             Quando terminou esta obra fez “Moinho de Café” que antecipa   os seus desenhos mecânicos.
"Noiva" - 1912

Noiva” – 1912  O esboço preliminar de “A Noiva Despida pelos Celibatários”, mostra uma figura no centro a ser atacada por duas outras figuras. As linhas sugerem um movimento agressivo. M.D. explorou a ideia de virgem em dois desenhos que ele transformou na pintura “A Passagem de virgem a Noiva” – Combinação de formas viscerais e mecânicas.
No período de 12/13, fez , entre outros, a Virgem nº1 e a Virgem nº2, a Passagem da Virgem à Noiva, o primeiro estudo para a Noiva ..., as primeiras pesquisas para a Máquina Celibatária, o primeiro projeto para o Grande Vidro. A Máquina Celibatária tem sistema de medida e cálculo no espaço, que passou a ter uma importância cada vez maior na sua obra.
"Roda de bicicleta" - 1913
Duchamp a partir de 1913, com a “Roda de Bicicleta” desloca a crítica da pintura e da imagem para a crítica do próprio objeto artístico, através dos jogos de palavras e da invenção do ready-made . Uns e outros, frequentemente associados, constituem uma rutura com os meios convencionais da produção artística. A procura de referências extrapictóricas, como as linguísticas e os objetos já feitos, envolve uma negação e uma afirmação. A ambiguidade é a essência do gesto do artista. Uma tal operação implica uma crítica radical à conflitualidade entre sujeito e objeto. Converte os meios de comunicação urbana, a linguagem verbal e objectual, em agentes de não significação para os investir de um estatuto artístico. Ainda é vulgar associar o ready-made à chamada morte da arte ou à antiarte. Duchamp prefere chamar-lhe “ an-artístico”, por oposição à classificação da arte em géneros. Para D., o ready-made é uma confluência de circunstâncias só aplicáveis a um único caso e ocasião, a fim de neutralizar a repetitividade situacionista do gosto. Daí a sua insistência nos critérios de indiferenciação estética que orientariam as escolhas dos ready-mades. A palavra ready-made que significa « já acabado » surge em 1915, quando Duchamp foi para os E.U.
        A escolha do ready-made tinha a ver com a indiferença, com a ausência de emoção estética, porque o gosto para Duchamp era um hábito, a repetição de uma coisa já aceite. O seu primeiro ready-made americano chama-se “Em antecipação do Braço Partido”—Pá para neve (1915).
“Em antecipação do Braço Partido” - 1915
   “O artista só existe se for conhecido. Dou tanta importância àquele que olha a obra como àquele que a faz”. Ele nomeava as suas obras de “coisas”. Distância em relação à sua própria obra. Condição essencial para o seu desejo de uma total liberdade individual. Segundo Walter Benjamin o conhecimento é um processo mecânico e anula a distância. As obras de arte têm uma “aura” particular que vive da distância.
"50 cc de ar de Paris"

Ao chegar a N.Y., Duchamp. levava um balão de vidro a que chamou “50cm  de Ar de Paris”. O ar de Paris só tem significado fora de Paris. Duchamp fez um presente para Walter Arensberg que consistia numa ampola de vidro que tinha contido um remédio e tinha sido aberto, para lhe ser retirado o líquido. Esta foi depois reparada por um farmacêutico de paris, pelo que o seu conteúdo passou a ser ar de Paris .
        Alguns dos primeiros ready-mades em 1916 foram exibidos    pendurados no bengaleiro da galeria de arte, criando-se assim uma associação destes à ideia de roupas e corpos, assim como à noiva suspensa. Fotos do estúdio mostram alguns dos ready-mades suspensos do teto, pregados ao chão ou colocados num canto.
"Suporte de garrafas"
Suporte de Garrafas” (original desaparecido) – opera no espaço apenas. É colocado na sua posição normal, só o lugar muda.
Barulho secreto - 1916

Com Barulho Secreto”—1916 Consiste num novelo de cordel apertado entre duas chapas. Dentro do novelo Walter Arensberg pôs um objeto desconhecido para Duchamp, que por sua vez inscreveu nas chapas de latão duas frases cujo sentido foi ocultado a Arensberg através da supressão de letras. O objeto chocalha , mas permanece secreto.
Cabide   “Armadilha” – 1917  Colocado no chão torna-se objeto perigoso .

"A Fonte" - 1917 
A Fonte” – 1917   Foi colocada sobre o lado plano. A assinatura “R. Mutt” foi inspirada em Mutt e Jeff, personagens de histórias aos quadradinhos. M.D. poderia estar a jogar com o nome da empresa onde comprou o urinol, a “Mott Works” alterando ligeiramente a ortografia. A peça nem foi mencionada no catálogo da exposição. A foto da “Fonte” saiu na revista “The Blind Man” (publicada por M.D.entre outros) , onde o caso “R. Mutt” foi defendido : A “Fonte”do Sr. R.Mutt não é imoral, é absurda, tem tanto de imoral como uma banheira. É um objeto que se vê todos os dias nas montras dos canalizadores. Se o Sr. Mutt fez a “Fonte” com as suas próprias mãos ou não, isso não tem qualquer importância. Ele escolheu-a . Pegou num artigo corrente do quotidiano , colocou-o de forma que faz desaparecer o significado utilitário sob o novo título e ponto de vista --- deu-lhe um novo sentido.
   A América estava avançada nas canalizações e no princípio do século o canalizador era uma figura que aparecia com frequência na B.D. americana. A “Fonte” integra a oposição entre os líquidos fontanários e os líquidos urinários, entre aquilo que o corpo expele e aquilo que o corpo ingere.
   Por volta de 1920, os readymades tornaram-se mais complicados. Em vez de comprar objetos manufaturados para os rotular e assinar, D. passou a fazer ou a mandar fazer várias construções e montagens.

Fresh widow” – 1920
Fresh widow” – 1920   a janela é vista como uma máquina  no sentido de ser acionada por nós, ao abrir e fechar. Aqui há um conceito de máquina que funciona sem propósito, sem função de abrir ou de se ver através dos vidros . os vidros são cobertos de couro negro e deveriam ser engraxados todas as manhãs, para brilharem como vidros. Através de “Fresh widow” não é possível ver mais do que nada. A consciência da obscuridade é a condição do desejo de ver mais além da visão ocular ou do vidro transparente. O desejo é apenas uma questão de ótica; aquilo que vemos é a imagem do nosso desejo. “Viuva de Fresco” era um pequeno modelo do que os americanos chamavam “French Window” – (janela à francesa). Foi o primeiro trabalho que D. assinou com o seu segundo “eu” feminino , “Rrose Sélavy”, que ele tinha inventado em N.Yorque em 1920 .

Rrose Sélavy”—1920
Rrose Sélavy”—(1920) é e não é o próprio Duchamp. Além de simbolizar a reversibilidade dos sexos, R.S. tem vida própria. Existe na sua própria imagem à semelhança da “vamp” do cinema, vestindo-lhe a pose fatal, é autora de obras como “ Fresh widow”, e o seu nome aparece num falso cartaz de aviso de procura. Mas as fotos de identificação, uma de frente e outra perfil, nele coladas, são de M.D.. A obra à procura do seu autor.
   Rrose é anagrama de eros. Ligou o travesti ao erotismo, o qual  se liga à sua obra, de um modo geral.
  Em entrevista a  Pierre Cabanne , disse: “Eu desejava mudar a minha identidade e primeiramente pensei adotar um nome judeu. Eu era católico, e esta passagem de uma religião para outra  já significava uma mudança. Mas não encontrei nenhum nome judeu de que gostasse ou que despertasse a minha fantasia, e de repente tive uma ideia : Por que não mudar de sexo ? Era muito mais fácil ! E foi assim que surgiu o nome “Rrose Sélavy”. O nome tem a ver com o jogo de palavras “Eros c’est la vie”(Eros é a vida) ou “arroser la vie” (beber à vida).
Porque não espirrar Rrose Sélavy?
Porque não espirrar Rrose Sélavy? – Readymade com cubos de mármore no formato de cubos de açucar, com um termómetro e um osso de choco dentro duma gaiola.
Chapas Rotativas de Vidro”  – 1920
Chapas Rotativas de Vidro” (Ótica de Precisão) – 1920  Cinco chapas de vidro pintadas que rodam em volta de um eixo metálico parecendo ser um simples círculo quando vistas à distância de um metro.
"O Grande Vidro" - 1915/23

O Grande Vidro” – 1915/23 – O vidro interessava-me como suporte pela transparência; a cor, que é visível do outro lado, perde a possibilidade de se oxidar. A perspetiva para mim é importante; é uma perspetiva matemática, científica, baseada em cálculos e dimensões.
Está dividido em dois domínios, separados pela linha do horizonte : o da Noiva, em cima, o dos solteiros, em baixo. A noiva é autossuficiente porque está munida dum “motor-desejante”. Os solteiros são sombras e reflexos de cima, dependem da Noiva, pois é esta que lhes excita o destino do “desejo atormentado” do seu “motor de explosão”, acionado por uma energia de origem desconhecida como a água e o gás de iluminação. O domínio da noiva é bidimensional tem a indeterminação de dimensão e as formas livres da ideia duma quarta dimensão luminosa, mas desconhecida . O movimento dos Solteiros é de eterno retorno, “num movimento de sobressalto” do vaivém do “Glissière” com moinho de água movido por uma cascata invisível . A Noiva é aparição. Os Solteiros são formas vazias , nove moldes machos, que na sua ânsia de visão da Noiva disparavam nove tiros óticos sobre ela. Mas estes não atingem a Noiva e os Solteiros apenas têm acesso mental a este instante do seu desnudamento . A obra tem o subtítulo irónico de “demora em vidro” .
        O “Grande Vidro” é um paradigma da noção de obra do seu autor, da obra enquanto “ideia de fabricação dum universo infinito. O seu início é indeterminado e ambíguo, pois é composto pela obra propriamente dita e pelas notas que a antecederam e acompanharam a realização física do objeto , reunidas na “Boîte Verte” . São duas obras independentes que entre si estabelecem relações de mútuas interferências, numa pluralidade de sentidos, a evitar o discurso centrado e a progressão para um sentido lógico terminal. Por outro lado, as notas de “Boîte Verte” além de contraditórias estão reunidas ao acaso e sem sequência cronológica. A obra “definitivamente inacabada” é então um conjunto simultaneamente disperso e coeso de instantes, onde cada instante é definitivo,  quer em relação àqueles que o precederam quer em relação àqueles que se lhe sucederam, numa relação incontornável de reenvios . O próprio D. afirmaria que o criador não tem controle total sobre o processo criativo em desenvolvimento. Durante o ato da criação, o artista vai da intenção à realização, passando por um meandro de reações totalmente subjetivas. A luta em direção à realização é uma série de esforços, de angústias, de satisfações, de rejeições, de decisões, que não podem nem devem ser totalmente conscientes, pelo menos no plano estético. O resultado desta luta é uma diferença entre a intenção e a sua realização, diferença da qual o artista não é de modo nenhum consciente. A obra é pois um aparato de signos que só o observador pode pôr em movimento. Daí a célebre afirmação de D. : “O espectador é quem faz a obra”. Durante 1913 começou a trabalhar nos primeiros verdadeiros planos para o “Grande Vidro”. Eram esquemas cheios de números e linhas que lembram desenhos mecânicos e planos de arquitetura. De forma intermitente trabalhou esta obra até 1923. Em 1915 comprou a chapa retangular de vidro deitou-a horizontalmente sobre suportes de madeira e começou a marcar as silhuetas das imagens mecânicas e dos objetos que ele tinha desenhado para a peça. A figura da noiva foi a primeira. 
       Definiu os contornos com arame de chumbo que fixou com   verniz ao vidro pelo lado de trás. Ele trabalhava apenas a superfície do reverso do vidro, partindo do princípio que deveria ser visto pelo lado liso.
   Vários escritores foram de especial importância, nomeadamente os que tinham começado a fazer experiências de linguagem. Raymond Roussel (poeta, ator, dândi) . Nos seus livros usou o método de livre associação. M.D. admirava-o porque ele produzia coisas que ele nunca tinha visto antes. Fundamentalmente, foi Roussel o responsável pelo seu vidro. Foi ao seu livro “Impressões de África” que foi buscar a inspiração.
   Materiais: óleo, verniz, folha de chumbo, fio de chumbo, pó, sobre dois painéis de vidro montados com molduras de alumínio, madeira e aço. Tem aproximadamente o tamanho de uma fachada de loja e refere a mudança da utilização do vidro e do metal na arquitetura da época. Os seus domínios superior e inferior estão separados através de um horizonte designado como  as “as roupas da noiva”. A noiva está suspensa, talvez por uma corda numa gaiola isolada, ou crucificada . Os celibatários mantêm-se na zona inferior. Há similitude entre estes e as ilustrações dos catálogos de moda da época. Há uma correspondência decisiva  entre as formas usadas por D. em “ 9 Moldes Málicos” e essas ilustrações dos princípios do séc. A noiva compõe-se de várias partes que se supõe trabalharem juntas como os componentes de um motor. Os três quadrados flutuantes foram concebidos com a ajuda de bocados de tecido de cortina que D. pendurou metro a metro sobre um radiador e que fotografou como modelos, e a que ele chamou “pistões de corrente de ar”. Os celibatários parecem artigos de vestuário pendurados. M.D. chama-lhes “Moldes Málicos”. Os cones estão coloridos pelo pó que se acumulou nas suas superfícies de vidro, durante os meses em que estiveram pousados no chão do seu estúdio . Uma foto de Man Ray documenta a “criação do pó”. O pó foi fixado com verniz. 
   Para Duchamp a máquina celibatária é uma máquina que se move por si própria, sem propósito. Esta ideia é transmitida para o “Grande Vidro” e identifica essa máquina como um desejo . Uma máquina celibatária funciona movida por uma situação que a desperta.
   As especulações então iniciadas por M.D. sobre a Física, a Mecânica, a linguagem, as geometrias pluridimensionais e o xadrez constituem formas de configuração do interior das imagens  reais. Trata-se de  traçar as sucessivas regras de sucessivos jogos que esvaziam pela ironia e o aleatório, os sentidos lógico e científico atribuíveis a tais disciplinas de explicação regulada do mundo.
Triturador de chocolate,nº2” – 1914
Triturador de chocolate,nº2” – 1914  --
M.D. diz que considera a pintura como um meio de expressão, entre outros, e não como um fim. Noutros termos, “a pintura não deve ser exclusivamente visual ou retiniana. Por isso jogo xadrez. Encontrei pontos de semelhança entre a pintura e o xadrez. Quando se joga xadrez é como esboçar alguma coisa ou como construir a mecânica que fará perder ou ganhar.”

Em o “Grande Vidro” e  “Etant_donnes” – espreitar por dois orifícios colocados à altura  do olhar na porta fechada e corroída pela passagem do tempo. Em ambas as obras, trata-se de ver através da transparência do vidro.
      A cascata e o gás de iluminação  e os dois símbolos tradicionais da água e do fogo, são signos persistentes no universo de D. , metáforas do conhecimento e da vitalidade.
“Etant donnes” Interior da câmara para além da porta - 1946-1966
 “Étant donnés” (Dados : 1-. Queda de água, 2 - Gás de iluminação) – Tem uma forte conotação sexual, servindo-se do erotismo como mecanismo, o qual utiliza de modo consciente. “Dados” é devolvida a quem a vê. Jean Paul Sartre, no seu livro “O Ser do Nada” diz que “no momento em que espreito por uma fechadura estou a ser apenas um olhar sobre o objeto que vejo. É uma maneira do sujeito se anular a si próprio. A quem está a ser observado está a ser roubada a liberdade. Os “Dados” coloca o problema de distância como estabelecimento de uma relação de fruição estética.
“Etant donnes” - Porta exterior


 Ao espreitarmos pelo buraco da porta estamos presos numa armadilha psicológica. Ao olharmos pelo orifício passamos a funcionar como se o nosso destino fosse o nosso olhar; objectualizamos o que vemos e transformamo-nos também num objeto por estarmos também a ser observados. O que M.Duchamp faz é despoletar uma sensação contraditória, entre o domínio público e o privado. “Dados” afirma-se como uma exposição da diluição de fronteiras entre os vários géneros artísticos, ao combinar materiais ( velha porta de madeira, tijolos, ramos secos, veludo, pele, alumínio, linóleo, vidro, acrílico, lâmpadas normais, fluorescentes e de gás , motor e técnicas de expressão artística – cujo efeito visual global é o da instabilização  das noções de “aqui” e “ali”, de “cima” e de “baixo” de “interior” e de “exterior” de “esquerda” e de “direita”. A própria obra de Duchamp afirma uma outra noção de obra, a de “Obra Aberta” , na expressão teórica posteriormente consagrada por Umberto Eco . Esta foi a última obra, arrastando-se por um período de vinte anos, e a sua existência só foi divulgada após a sua morte em 1968. O erotismo escondido do  “Grande Vidro”, aqui se tornava em sexualidade aberta, e o observador seria de uma forma mais agressiva desafiado a abandonar o seu ponto de vista de recetor passivo. O corpo de mulher parece inchado, o cabelo sobre a cara esconde a sua identidade. Parece ter sido violada. Segura uma lanterna a gás acesa. O fundo tem paisagem com um curso de água que lembra a atmosfera de “Mona Lisa”. A figura feminina está coberta de couro fino para dar à pele uma aparência tão real quanto possível. No diorama o observador é surpreendido no papel de voyeur.
Esquema da obra de Duchamp "Étant Donnés"


Marcel Duchamp - 1957






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